DISCURSO DO BUNGLE BANGUE

Discurso caracterizado pela prolixidade, feitas aos moldes de camaleão e com as respectivas hesitações, que só os políticos do MPLA conseguem fazer, permitiu a sua vice cochilar enquanto discorria enfadonhamente. Relatório de 154 páginas com aproximadamente 14 mil palavras, duração de duas horas, 11h às 13h, provou que pelo menos uma coisa o Presidente da República sabe fazer, ler.

Por Domingos Miúdo

Um discurso não diferente das abordagens ao qual nos habituou, o começo vislumbrava a renitência em culpabilizar a COVID-19 como o factor chave para a retracção socioeconómica do país, aglutinando de igual modo no mesmo subterfúgio a Guerra na Ucrânia, protagonizada pela Rússia. Putin é o culpado da nossa economia retrair, é isso que o Presidente quis dizer em outros termos.

A seguir, surge falando da jogada da tal estabilidade dos preços dos produtos apenas vivida durante o ano das Eleições Gerais com o desígnio de enganar os menos atentos. A responsabilidade sobre o ambiente inflacionário que, actualmente, a Nação vive recaiu as querelas externas. Angola é do exterior.

Referiu sobre o melhoramento da “transparência” (as vírgulas altas são mais que necessárias) das contas públicas fiscalizadas pela Assembleia Nacional ao lado do Tribunal de Contas. Membros do bando que emagrece o erário a brincarem de se controlar quem desvia mais e nada de queixar. Isso sim é a fiscalização para os gatunos engravatados.

Presidente da República, João Lourenço, em termos românticos, categorizou que, daqui em diante, os preços dos combustíveis ainda vão subir mais, doa a quem doer.

No discurso, verifica-se o arrependimento de não ter pensado aquando da implementação do IVA a 14%, agora reduzido para 7%, prevendo, envergonhado, reduzi-lo um pouco mais, talvez para 6,9%.

Cabe referir que todos os reconhecimentos e supostos projectos elencados pelo Executivo no domínio da agricultura mostrar-se-ão falhados enquanto parte da produção deteriorar ao mau estado das vias de acesso do rural (onde está a produção) ao urbano (onde escoa a produção), ao qual os produtores muito reclamam. Enquanto esses problemas não forem colmatados as palavras adornadas serão sempre meros roteiros para filmes de romance.

Se falar de empregos gerasse-os mesmo, João Lourenço teria empregado toda a juventude angolana. Torna-se na pessoa que mais aborda sobre emprego e que a menos o oferece. Já diz o adágio “cão que ladra não morde”.

No que troca o progresso da indústria transformadora, não deixou mencionar o sector das bebidas que, de certo, o monopólio recai às alcoólicas, as que ajudam no desfoco de inúmeros estudantes. Há mais bares adjacentes às escolas que livros dentro delas. Em contrapartida, há jovens que fazem desses espaços assembleias favoráveis para o debate sobre o estado da nação.

Pelos vistos, o titular do Poder Executivo e o seu elenco têm noção da elevada potencialidade e, consequentemente, produção da madeira no país, mas recusam-se agir com urgência para retirar do chão às carteiras os milhares de crianças das mais variadas paragens do país que ainda estudam sob estas condições.

No domínio dos recursos minerais, Cabinda configura-se na província mais mencionada lançando créditos de que se trata de uma geografia muito rica, no entanto, que aos olhos nus, só se vislumbra miséria no povo. Tanto Cabinda como Zaire e as Lundas choram pelos amargurados assaltos que sofrem destes que pensam que são os donos de todos os solos.

O défice de abastecimento de que João Lourenço está ciente é mesmo grave. Os moradores de Cambambe, Kwanza-Norte, ainda reclamavam por largos anos de ausência do jorrar das águas do rio Kwanza em suas torneiras sendo que localidade é privilegiada pela maior bacia hidrográfica do país. Ainda assim, a comunidade gastava-se fortunas para a ter nos domésticos recipientes.

O escrivão do Executivo simplesmente ignorou as lamúrias dos professores universitários, que, bem antes do diagnóstico mal analisado do Presidente sobre o estado do Estado, previam retomar à grave já no próximo mês, a reivindicar por melhores condições de serviço.

Claramente, o executivo mostrou-se indisponível, como de praxe, para a resolução dos problemas que há muito o Sindicato dos Professores do Ensino Superior (SINPES) manifesta. Se os “no que tanque” não estão a conseguir e nós, os “sabe é tipo como?”? Os formados na terra de Luther King, Hitler e da Revolução Industrial estão a bandar e nós, os da terra de Pai Banana, Pai Profeta e Pai Diesel?

Falou das autarquias sem tocar exactamente na sua implementação, ora, expectativas dos agentes da oposição fortemente frustrado. Julgo que acreditavam avidamente que João Lourenço proferiria palavras que consumariam o tempo infinito de espera às ânsias e pensam, portanto, que alcançarão sentando sedentariamente nos formidáveis cómodos do parlamento ou dos domiciliares. Levantem, seus preguiças!

Chefe de Estado disse: “para que tenhamos um sistema de justiça cada vez mais sólido, célere e à altura das exigências do Estado de Direito…” até aqui basta. Que petulância! Sistema de justiça sólido é o mesmo que condenou injustamente os jovens que apenas queriam manifestar? Quais são as exigências do Estado de Direito, prender e castigar severamente angolanos, como se de criminosos se tratassem, por evocar os direitos consagrados no art.º 47º da Constituição (Direito a manifestação)?

Tramitam na PGR cerca de 170 mil processos-crime das quais um pouco mais de 15 mil já foram despachadas. E os pertos mais 155 mil quando são concluídas? Talvez até 2070.

João Lourenço incentiva a juventude à prática de auto-emprego consubstanciado no empreendedorismo para que seja ela a geradora de oportunidades. Só pelo facto de incentivo, os empregos gerados pela iniciativa própria do cidadão contarão nas estatísticas dos 500 mil empregos criados pelo Executivo.

Sem políticas gizadas para o melhoramento do desporto, não alcançou as expectativas de muitos que desejavam ouvir o que o Governo tem planeado para evitar as oscilações financeiras que, costumeiramente, inquietam o sector. Por exemplo, o arranque do principal campeonato de futebol nacional, Girabola, só não acontece por razões de verbas e nada teceu. FAF em si é um esgoto de descalabro económico, sem fundo nem plano. Seu cofre padece de rupturas, que quanto mais é tempo, maior é buraco. Parece que a cada passo dado à frente repercute-se em retrocesso. Bons e muitos jogadores que noutra hora, orgulhosamente, representavam a selecção de Honras, são os mesmos que hoje recusam, rancorosamente, quaisquer representações afins por alegadas humilhações e o nível muito baixo que só saborearam proporcional ao futebol angolano protagonizadas, em exclusivo, por aqueles que têm as rédeas deste barco em naufrágio. Presenciou-se também os escândalos de corrupção que envolveram grandes clubes nossos, nomeadamente, Petro de Luanda, 1º de Agosto, Kabuscorp e Académica do Lobito, causadas pelo vazamento de um áudio às redes sociais que, entretanto, revelava as fedorentas fezes de falcatruas dentro Girabola. Petrolíferos e o Kabuscorp foram os mais penalizados pelo Conselho Disciplinar da FAF, sendo a primeira com o afastamento de todas as competições quer a nível interno como externo num período de dois anos, ao passo que o clube do Kangamba seria mais despromovido à segundona. Em contrapartida, foram por enquanto suspensas as punições por conveniência do Tribunal Provincial da Comarca de Luanda. Logo, a abordagem do Executivo restringiu-se a saudações aos desportistas.

No âmbito da cultura, Presidente destacou, no seu discurso do “bungle bangue”, a conversão do antigo edifício da Assembleia Nacional, que por sinal já albergou o antigo Cine Teatro Restauração, em Palácio da Música e Teatro, assunto muito já debatido pela Associação Angolana de Teatro (AAT), na pessoa do seu presidente, Adelino Caracol.

Quanto ao domínio das pastilhas e rebuçados, João Lourenço, às ordens grotescas e tiranas, referiu que “Polícia Nacional continua determinada em cumprir a sua nobre missão de proteger o cidadão e assegurar a ordem e a tranquilidade públicas”, sendo a protecção dos cidadãos os porretes, socadas e apreensão quando estes tentarem evocar os direitos consagrados a eles.

O Executivo aproveitou a ocasião para responder ao embaixador do Israel acreditado em Angola, Shimon Solomon, que afirmou estar desapontado com João Lourenço, quando na qualidade de Chefe de Estado de um país parceiro não se pronunciou a favor do Israel no despoletar do conflito no Médio Oriente. Presidente da República defendeu que Angola é uma nação que vela por “um mundo de paz, relações mutuamente vantajosas entre os Estados, o respeito pela igualdade soberana e a integridade territorial dos Estados e uma ordem mundial mais equilibrada. Um país que defende uma solução pacífica dos conflitos internacionais nos marcos da Carta das Nações Unidas e do Direito Internacional”. No entanto, “embora assista a Israel o direito a defender-se, a proteger a vida dos seus cidadãos, a verdade é que esse mesmo direito tem igualmente o povo palestino, que vive há décadas uma situação de contínua ocupação e anexação de partes do seu território, situação inaceitável em pleno século XXI”, advertiu.

A logorréia que só teria fundo se fizesse face as semelhantes escaramuças vividas dentro das províncias Cabinda, Zaire e das Lundas. Umas das supressões da lébia que de facto interessaria o povo. Como falar adversidades ocorridas nas geografias internacionais se internamente elas são cometidas por si e o seu bando? FLEC ou Protectorado Lunda Tchokwe que, diferente dos Hamas, combatem as batalhas sem a vitimização de civis, distanciado de um conceito narcisista, lutando apenas para a melhoria das condições de vida que são severamente mutilados a mando daquele que diz que salvaguarda a vida humana em primeira instância. E ainda assim é o Campeão da União Africana para a Paz e Reconciliação em África.

Por fim, cutucou a UNITA, que viu recentemente a sua proposta de iniciativa para a destituição do Presidente da República a ser chumbada pelos deputados do MPLA. A proposta surgiu no intuito de responsabilizar João Lourenço por não cumprir com as obrigações que jurou jamais transgredir. O governante disse que continua a cumprir com os juramentos feitos no dia do seu empossamento, 15.09.2022, que eram de desempenhar com toda a dedicação as funções, cumprir e fazer cumprir a Constituição e as leis, defender a Independência, a Soberania, a unidade da Nação e a integridade territorial e defender a paz e a democracia e promover a estabilidade, o bem-estar e o progresso social de todos os angolanos.

É, de facto, irrisório e sorumbático para quem se depara com isso. Irrisória porque uma entidade de tal calibre se permita a tal palhaçada. Por outra, sorumbática, pois, alguém que se diga ser presidente de todos os angolanos, que legitimamente foi, por sufrágio universal, escolhido pelo povo e que defende a democracia, numa simples tentativa de manifestação agracia-nos com rebuçados e pastilhas.

Termina atirando ao Adalberto da Costa Júnior, referindo que se trata de um “exercício ilegítimo de usurpação quaisquer tentativas de alguém fazer seu discurso sobre o Estado da Nação, competências que a Constituição confere apenas e exclusivamente ao Chefe de Estado, que é uma entidade singular”.

Todavia, traçou pontos que foram mais bonitos que o seu rosto, contudo sem rotas para a prossecução delas.

Discursos longuíssimos são característicos de países que tudo falta por resolver.

Artigos Relacionados

Leave a Comment